O corte no abastecimento é uma dupla penalidade e fere um direito essencial de todos dos indivíduos
Por Alex Terras
A suspensão do fornecimento de água devido a inadimplência do condômino pode ser considerada ilegal ou uma medida extrema. Isso ocorre porque o acesso à água é considerado um direito básico e essencial para a vida e a saúde das pessoas, e cortar itens essenciais para a sobrevivência viola o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana que está expresso no artigo 1.º, inciso III, da Constituição Federal.
Além do mais, é extremamente perverso e cruel impedir que alguém faça suas refeições e de sua família, tome banho e faça as suas necessidades fisiológicas. Fatos como estes têm o potencial de ferir profundamente o íntimo do ser humano, pois lhes acarreta prejuízos morais e psicológicos indesejáveis e até mesmo irreversíveis.
O corte no abastecimento realizado pelo condomínio
Geralmente, a cobrança de taxas condominiais atrasadas é tratada como uma questão civil, e o condomínio pode buscar a recuperação desses valores por meio de medidas legais adequadas, como cobrança judicial ou negociação de acordos de pagamento. A suspensão do fornecimento de água costuma ser considerada uma forma de retaliação ou penalidade adicional.
Vale lembrar que pagar o condomínio pontualmente é um dever primário do condômino, conforme disposto pelo artigo 1.336, inciso I, do Código Civil. Todavia, para combater a inadimplência, o Código de Processo Civil atual prevê medidas extremas, tanto é que a dívida condominial agora é um título executivo extrajudicial e poderá levar a unidade devedora a ser penhorada e leiloada para quitar o débito.
O artigo 805 do Código de Processo Civil é claro, e diz que a execução das dívidas, inclusive as condominiais, deverá ocorrer sempre pela via menos gravosa ao devedor. No artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor está expressa a ideia contida na legislação brasileira de evitar que as pessoas, ainda que devedoras, sejam expostas ao ridículo ou constrangidas: Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Portanto, não é admissível que o condomínio corte o fornecimento de água e gás dos condôminos inadimplentes, já que a legislação dispõe de dispositivos eficazes e eficientes para a cobrança/execução das dívidas condominiais.
Corte é ilegal quando executado pelo condomínio e não pela prestadora do serviço público
O condomínio, como vimos, não pode promover o corte do fornecimento de água de condômino inadimplente, mas a prestadora do serviço público pode e, nesse caso o condômino precisa quitar o seu débito e não tem direito à indenização por dano moral, porque não é lícito onerar, novamente, quem custeou a cota do mau pagador.
O Tribunal de Justiça de São Paulo teve esse entendimento quando julgou parcialmente procedente uma ação em que um condômino inadimplente questionava a legalidade da cobrança e do corte de fornecimento de água e pretendia ser indenizado pelo condomínio, por danos morais.
Para o TJ-SP a cobrança é legal, mas o corte no fornecimento de água pelo condomínio não tem amparo na legislação. Assim, é importante que a gestão conte com uma assessoria jurídica para orientá-la para não ser responsabilizada pela prática do crime de exercício arbitrário das próprias razões, constante do artigo 345 do Código Penal, e gerar um passivo futuro para o condomínio, que poderá ser condenado ao pagamento de verba indenizatória moral ao condômino que se sentir prejudicado.
Alex Terras é advogado, sócio fundador do escritório Terras Gonçalves Advogados e Presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB/Butantã.